DOUTOR JIVAGO, DE BORIS PASTERNAK

Para esta semana, pensei em um livro que foi mais que um best seller quando conseguiu ser editado. Traduzido em 18 idiomas em pouco mais de um ano. O livro começou a ser gerado em 1926 e somente foi publicado 40 anos após.Duas versões do mesmo foram para as telas do cinema. Trata-se de "Doutor Jivago" e seu autor, Boris Pasternak.
Boris Pasternak nasceu em Odessa, precisamente em 1890. Filho de judeus convertidos teve como pai um brilhante pintor e ilustrador e por mãe uma das discípulas prediletas do grande pianista Anton Rubinstein. Foi pela mão de seus pais que Pasternak apaixonou-se pela música, primeiramente, e pelas letras por toda a vida.
Residindo em Moscou, um dia o garoto Boris conheceu no estúdio do pai um homem muito amável. Era um “gigante com longas barbas brancas e enorme delicadeza para com as crianças”. Tratava-se nada menos de Leão Tolstoi, que viria a se tornar seu mentor por toda a vida. O pai de Pasternak tornara-se o ilustrador de uma edição refinada de “Guerra e Paz”.
Em “Dr. Jivago”, sua obra prima, encontraremos diversos ecos de “Guerra e Paz”, e o livro, tal qual uma segunda epopeia russa, percorre os anos de 1899 até o final da década de 1920. Esta obra foi vencedora do Nobel de Literatura de 1958, cujo autor foi forçado a não receber a premiação e optou conscientemente por não fazê-lo.
O sentido de “Dr. Jivago”.
O “Dr. Jivago” se situa num tempo histórico de trinta anos, anos decisivos na vida dos povos russos, compreendido entre 1889 a 1929. É o romance de um homem que sofre todas as mudanças de sua época.
A revolução de 1917 para Jivago representa o grande levantar dos homens contra a tirania e a mediocridade e, de certa forma, uma volta ao Evangelho de Cristo que o autor nunca abandonará, um grande desafio da construção do novo lançado à história. Compara o socialismo a um mar do qual poderia brotar uma vida “genializada e criadora”.
“Eu e você vivemos esses dias. Mas apenas uma vez e em toda a eternidade, acontecem essas histórias de loucos! Imagine, a Rússia inteirinha perdeu seu teto, e nós como todo o povo nos encontramos descobertos... Ela acordou a nossa mãezinha Rússia, não pode mais ficar inerte, vai e vem sem descanso, fala e fala sem parar... Isso tem algo de evangélico, não?”
Mas aquela liberdade que Jivago admira e que anima os primeiros anos dos revolucionários torna-se um desafio e um ultraje, quando se estabelece “o estilo comunista”, leia-se o controle social burocrático. A sinceridade revolucionária de um Strelnikov, o marido de Lara, que se distingue pela pureza, transforma-se em “um fanatismo amadurecido durante todo o resto da existência”.
Jivago vê seu ideal perecer no terror, no sangue e na mediocridade. Para ele, “a vida não é mais uma matéria nem um material” e os que querem transformá-la tornaram-se brutos que jamais sentiriam o sopro da alma. Enquanto Jivago pauta sua vida pelo amor ao próximo, outros optam por viver em função de um ideal que mais se parece a uma quimera, e sacrificar milhares de seres humanos é um absurdo, um sonho maníaco, satânico!
Pasternak principiou seus escritos durante a guerra civil (1919/ 1920), guardou-os escondidos num falso fogão, e somente os concluiu em 1956, após a morte de Stalin e os discursos de Nikita Khrushchov, denunciando seus crimes.
Teve a sua publicação proibida na URSS. Pasternak, então, contrabandeou os originais para fora do país e seu amigo Feltrinelli os publicou na Itália.
O sucesso foi enorme e logo o romance era traduzido para 18 idiomas. Em meio à guerra fria, os USA e a CIA tiveram todo o interesse em propagá-lo e em dele se aproveitarem propagandisticamente.
A situação de Pasternak já muito delicada, tornou-se delicadíssima em 1958, quando a Academia Norueguesa outorgou-lhe o Prêmio Nobel. A direção política da URSS foi explícita: Se ele aceitasse o prêmio seria expulso e perderia a cidadania russa.
Pasternak, entre a glória e milhões de dólares originários do Prêmio e dos royalties de seus livros no exterior, optou por recusar-se delicadamente a aceitar o Nobel. A URSS ficou com seus royalties e ele permaneceu na Rússia; retirou-se para longe de Moscou e viveu tão humildemente como sempre o fizera, até sua morte por câncer pulmonar, em 1960.
Disse a eslavófila canadense R. Larmont: “Se Pasternak foi um Judas para os comunistas é porque o seu Jivago interpreta fielmente um ensinamento do Evangelho, aquele que se encontra na base da Revolução Socialista: a fraternidade que se opõe à violência, cujo espírito pouco a pouco, se degradou no universo soviético.”
Espero que o apreciem.
Carlos Russo
Especialista em Literatura Clássica

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