HERMAN BROCH – A MORTE DE VIRGÍLIO (Parte 02/04)
ARTS QA LITERATURA CLÁSSICA
POR CARLOS RUSSO
HERMAN BROCH – A MORTE DE VIRGÍLIO
(Parte 02/04)
Aportado à terra, Virgílio será carregado em uma liteira ao Palácio Imperial. No caminho, passará pelo “beco da miséria”, onde sofrerá insultos daqueles que o tomam por algum nobre. Vencidos esses apuros, o poeta se encantará com um jovem, Lysâneas, que o acompanhou e guiou nesse caminho da pobreza absoluta, do Porto até o majestoso Palácio.
A figura desse jovem é um dos fulcros da narrativa e sofrerá várias metamorfoses ao longo desta. De uma fantasia do poeta febril, a um mero espectro juvenil a perseguir seu caminho em direção à eternidade. E nesse percorrer, o jovem que já foi o moribundo Virgílio, a mesclar-se na figura de Hermes, condutor de sua alma inquieta e desalentada.
Além de Lysâneas, outros personagens aparecerão com o intuito de demonstrar esta simultaneidade de existências, como arte e história, pensar e agir, sonho e vigília, vida e morte. E o tempo e o nada, pois o sentimento do passado está por trás de tudo, mas só se mostra dentro do presente. E a simultaneidade a ser apreendida e sentida é fundamental para a missão almejada para o poeta, pois a poesia que Virgílio idealiza deve se desenvolver nesta atmosfera de passado e presente, num não-tempo.
E assim Broch tenta alcançar o limite semântico da existência e nos leva a um novo estado dentro do outro, algo que a pura realidade jamais será capaz de fazer. Daí toda a riqueza dessa experiência literária que não apenas nos sensibiliza pela beleza e cativa pelo estrondo de talento, mas nos proporciona a oportunidade de experimentar uma pura condição filosófica.
Em Broch, Virgílio sentencia que a arte da Eneida é inútil, por sua mera obstinação pela estética e pela perfeição, ambas condenáveis, quando despidas de propósitos supramundanos. Pois se sabe que ela se destina a dar uma origem divina a Roma, a enaltecer um povo, sem descrevê-lo em sua decadente realidade.
(Continua na próxima semana)
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