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O amante de Lady Chatterley, de D.H.Lawrence

ARTS QA, POR CARLOS RUSSO

“A frieza na relação sexual é morte e imbecilidade”. Este é o principal alicerce desta obra imortal, que somente não levou o autor ao Nobel devido sua morte prematura.

David Herbert Lawrence ( 1885, 1930) foi um dos mais importantes modernistas ingleses, aquele que ao abordar a sexualidade e as relações humanas , pôs a nu os convencionalismos e os preconceitos.

No conjunto, sua obra expõe uma profunda reflexão sobre os efeitos desumanizantes da modernidade e da industrialização.

Suas contribuições estenderam-se a praticamente todos os gêneros literários: novelas, contos, poemas, teatro, livros de viagens, traduções, arte e crítica literária. Ademais, além de escritor, Lawrence era pintor e produziu obras expressionistas de valor.

“O Amante de Lady Chatterley” foi considerado obsceno e proibido por mais de trinta anos na Inglaterra ( publicado na Itália, Noruega e Dinamarca em 1928, apenas em 1960 no Reino Unido) e circulou clandestinamente nos países de língua inglesa.

O uso de palavras tidas como “indecentes”, as descrições delicadas dos atos sexuais, a relação entre uma burguesa- aristocrata e um trabalhador, a crítica à guerra, tudo isso eram afrontas ao conservadorismo e ao moralismo tradicional pós Vitoriano.

O romance nos leva a Inglaterra pós-Primeira Guerra Mundial, um país em rápida modernização, um império aristocrático e potência capitalista em seus últimos anos de hegemonia, antes da ascensão americana. Sua personagem principal é Constance – Lady Chatterley – jovem burguesa de formação liberal e intelectualizada, que se casa com o aristocrata Clifford, dono de minas de carvão em Wrgaby.

Clifford, Lord Chatterly, volta da guerra paraplégico e impotente. Dedica-se inicialmente a escrever romances e, posteriormente aos negócios do carvão mineral. Constance passa a ter uma vida estéril, vazia e sem emoção. Incapaz de encontrar o equilíbrio entre a felicidade física (que ela busca em um caso com o escritor irlandês Michaelis) e a felicidade espiritual (que às vezes ela pensa ter nos seus longos diálogos com Clifford).

“A bela e pura liberdade de uma mulher era infinitamente mais maravilhosa que o amor ligado ao sexo, pois a mulher podia tomar o homem sem realmente se entregar. Ao contrário, ela podia usar essa coisa do sexo para ter poder sobre ele... enquanto ele seria apenas o seu instrumento.” Assim fora sua relação com o primeiro amante, Michaelis.

Quem irá chacoalhar de vez sua vida insossa e mostrar que o prazer físico e o bem estar espiritual são possíveis na mesma relação será o guarda-caças Oliver Mellors – por quem irá se apaixonar num processo gradual de longa experiência tátil, sensível e sexual.

“O amante de Lady Chatterley”, ou o elogio da prática sexual imersa na paixão.

Lawrence defende a presença da carnalidade como inerente ao verdadeiro amor: sem sexo não existe amor. Logo, não existe sentimento sem sexualidade. A morte de um acarretará a morte do outro. “Se o amor sexual desaparecesse, alguma coisa deveria substituí-lo, por exemplo, a morfina que os governos deveriam espalhar pelo ar para garantir bons finais de semana à população”.

A sexualidade transforma a alma em brasa, por isso o amor carnal não deve possuir freios e nem vergonha. Logo, o sexo é algo do qual não nos deveremos envergonhar. Algo extraordinário? Não, ele faz parte da receita da felicidade. O ritmo aumenta, as reflexões de Mellors e Constance passam a se tornar mais apaixonadas. Há um romantismo primitivista sempre presente. Um olhar crítico em relação à industrialização, ao seu ritmo acelerado e à ligação da sensação de satisfação, com a sensação de posse.

Para o guarda-caça Mellors, que vinha de uma experiência dilacerante no casamento, ao tomar uma nova mulher, Constance, sabia que trazia para sua vida um novo ciclo de dor e de destruição. Não se tratava de desejo, mas de uma sensação cruel de incompletude solitária que exigia a presença de uma mulher silenciosa envolvida em seus braços. “Não me parece muito bom tentar livrar-se da solidão. É preciso aceitá-la pela vida afora. De repente, às vezes, o vazio é preenchido, mas o que resta, aquilo que realmente conta é a aceitação da solidão e a disposição de apegar-se a ela por toda a vida”.

“Gosto dos homens e eles de mim, mas não suporto a impudência atrevida das pessoas que comandam este mundo. É por isso que não posso seguir em frente. Odeio a impudência das castas sociais, odeio a impudência do dinheiro. Num mundo desses que posso oferecer a uma mulher?” Assim refletia o empregado de Lord Chatterley.

Pessoas apenas interessadas em dinheiro e no consumo têm perda de sentimentos, o sinal máximo da decadência. Ao calar a intuição a civilização moderna matou os sentimentos humanos.

Seria possível a busca de uma terceira opção, entre o capitalismo industrial e a doutrinação stalinista? “Se fosse possível fazê-las compreender que há grande diferença entre viver e gastar dinheiro. Se fossem educadas de modo a ‘sentir’ em vez de ‘ganhar e gastar’(…)”.

Lawrence diversas vezes cita Henri James e sua deusa-cadela, “o sucesso”! Sucesso para os homens, tudo gira em torno desse eixo. E o dinheiro é o timbre do sucesso. Parecia que a maioria dos homens “realmente bons” perdia a sua vez. “E se você perde a sua oportunidade engrossará o time dos fracassados”. A busca do sucesso sustentava o espírito do paraplégico e impotente Lord Chatterley.

“O dinheiro nos envenena quando o temos e nos mata de fome quando nos falta”. “E isso porque não se tem culpa de estar vivo. Quando se está vivo o dinheiro é uma necessidade, a única necessidade absoluta”.

Supomos que o mundo esteja cheio de possibilidades, mas elas se reduzem a muito pouca coisa na maioria das experiências pessoais. “Envelhecer é tornar-se constituído de camadas de desilusões, como extratos geológicos que se depositam.”

“O nada! Aceitar que o grande vazio da existência é um dos aspectos da existência.” “Muitas vezes é inteligente ser idiota se você quer atingir seu objetivo”.

Qualquer homem em bom juízo saberia que a esposa estava apaixonada por alguém e prestes a abandoná-lo. Ela no fundo tinha certeza de que Clifford estava absolutamente ciente do fato, apenas recusava-se a admiti-lo. Ele deveria ter-se preparado para isso; se ao menos houvesse admitido o fato e lutado, teria agido como homem. Mas não! Sabia e passou todo o tempo brincando consigo mesmo, fingindo que não havia nada.

“Ao mesmo tempo, em algum cantinho de sua estranha alma, enquanto o ajudava e instigava ao máximo, no seu âmago de mulher, ela desprezava o marido, odiava-o. Ele representava um animal caído, um monstro que se contorcia, no mais recôndito âmago de sua feminilidade desprezava-o com desdém feroz e sem limites. O mais miserável dos mendigos tinha mais valor do que ele”.

Será na ruptura definitiva que pela primeira vez, Constance odiará Clifford de maneira consciente e definitiva. Um ódio feroz como se ele devesse ser apagado da face da terra. “E era estranho perceber como aquele sentimento a tornava livre e cheia de vida. Odiá-lo e admitir o fato para si mesma.

“Agora que o odeio, jamais conseguirei viver com ele”.

“E como podem ser enganadas as pessoas com boas maneiras e falsas gentilezas”, o que por tanto tempo Constance praticara com Clifford.

“A maioria das mulheres jamais se apaixona, nem mesmo começa a amar. Não sabe o que isso significa. O mesmo se aplica ao homem. Quando vejo uma mulher amando, sinto uma dor no coração por ela’.

“Por que os homens querem estar sempre namoricando? Que desgraça ser um Don Juan, para sempre incapaz de, fazendo sexo, chegar à paz e de acender a pequena chama, incapaz de ser casto nos intervalos do amor, que passam como fresca correnteza.”

O romance, que se desenvolvia em andante, termina em um presto. É como se todo o livro fosse um grande relacionamento, desde o primeiro olhar ao gozo triunfante. A busca dos personagens é pela satisfação completa, independente de sua classe, idade ou da opinião pública. Busca pelo prazer – não o prazer hedonista de orgias, eternas bebedeiras, grandes gastos -, mas um prazer quase epicurista do amor, da boa comida, da diversão possível, do intimismo.

“Não creio no mundo, nem no dinheiro e nem no progresso, nem no futuro de nossa civilização. Se houver um futuro para a humanidade terá que ser algo muito diferente do que temos hoje. Se as coisas continuarem como estão, não haverá nada no futuro além de morte e destruição para as populações industriais”. Quinze anos após Lawrence teríamos a hecatombe da Segunda Guerra, com direito ao Holocausto!

Nossa época é essencialmente trágica, e por ser assim, recusamo-nos a vivê-la tal qual ela é. “A pesar disso temos de viver, não importa quantas vezes o céu desmorone em nossas cabeças”.

A ternura é o que mais vale mesmo entre homens de sadia virilidade. É o que faz os homens verdadeiros e não macacos, mormente nos tempos contemporâneos em que o sexo banalizou-se em atos praticados entre “máquinas copuladoras”.

“Talvez somente pessoas capazes de uma união verdadeira sintam-se só no universo. As demais são meio viscosas e se grudam à massa.”



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